sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A mágica

Buscamos ser mágicos em Gestal-terapia. Não por causa daquelas ‘curas’ instantâneas e milagrosas do Perls, não. Mas porque sabemos que nós os seres humanos somos ‘mágicos’, encantados. Ainda que, por motivos que talvez um dia encontremos a lógica, vivamos tão frequentemente alienados, e mesmo interditados neste e deste poder de encantamento, que não só nos é inerente, como constitui a dimensão que nos é mais originária e característica. Dito assim, que somos mágicos, encantados até parece uma coisa extraordinária. Mas, nada. É o que nos é mais essencial. Ocorre que, em essência, somos seres ativos. Além de sermos reflexivos, e comportamentais, somos em essência ativos. Isto permite o que, na bela linguagem do I Ching, é o nosso poder de fazer com que “do invisível brotem efeitos visíveis.” Do intangível brotem efeitos tangíveis... É isso o que chamamos de ação.
Ocorre que, no mais íntimo, no mais originário de nós; em nosso modo pré-reflexivo de ser, em nosso modo pré-comportamental de ser, em nosso modo pré-pragmático, anteriormente mesmo ao que entendemos com a realidade, realizada, nós somos potência, possível, possibilidade, vontade (força) de possibilidade. Quando chegamos aos limites da imobilidade do realizado do nós-mundo, resta-nos sempre a disponibilidade do retorno ao possível, ao potente, à possibilidade, e à ação que fazem com que‘do invisível possam brotar efeitos visíveis’.
Esses efeitos podem se configurar para os outros, à medida que se configuram para nós próprios. Mas, o percurso do processo em que eles se constituem, de uma pré-compreensão, até um desdobramento compreensivo – o que entendemos como ação – é a performance vivencial de um percurso que regularmente engendra a nós próprios e ao mundo que nos diz respeito.
Incontornavelmente compreensiva, e implicativa (não explicativa), a performance da ação pode se limitar à reserva do nosso modo compreensivo de ser; ou pode, também, ser compreensão-e-muscul-ação (compreensão e ação muscular). Explicitar-se, seja na objetividade meramente compreensiva, seja na objetividade compartilhada. Sempre devir, sempre vir a ser. Sempre o novo, o inédito, o diferente, o inesperado, o espantoso. ‘Devir’ vem de ‘vento’. O devir é uma ventura. A ventura da vida ‘à ventura’. O que, na performance, performação de figura e fundo, devém com a ação é a potência do possível, a potência da possibilidade, da vontade de possibilidade. Que se forma na incerteza. E que, acontecimento, deforma o mundo acontecido, numa ‘arte de perigar’ a que chamamos de experi(g)mentação, e que é fenomenológico existencial empírica.
Nesta arte de perigar, que é a experimentação fenomenológico existencial empírica, nesta vida à ventura, a ventura é imprescindível. E a ventura, o vento, é o ‘Estésico’. Um vento, ventura que sopra no Mediterrâneo Oriental, e que impulsionava as velas dos navios... Nele inspirados, os gregos chamaram de ‘estésico’ o modo de sermos da sensibilidade. É que o modo sensível de sermos, o modo de sermos que é corpo, vivido e sentidos; fenomenológico e existencial, pré-reflexivo, pré-teórico, pré-comportamental, pré-pragmático. É como um vento, como uma ventura. Todo ele impregnado de possibilidade, de potência – que é apreendida na com(a)preensão. E de ação: este modo de sermos que nos retira da imobilidade das realidade, no exercício da força de seremos possibilidade. Os momentos em que habitamos este modo de sermos da força, e da ação, estésicos, configuram a est-ética como vivência. Se não prática, porque pragmática do inútil, eminentemente poi-ética: ética da potência produtiva de uma pragmática do inútil.
Assim é a Gestal-terapia, assim somos: para além do real, em nosso modo originário de ser, est-éticos, poiéticos, inúteis produtivos.
::: Texto de Afonso H Lisboa da Fonseca, da Escola Experimental de Psicologia e Psicoterapia Fenomenológico Existencial - http://blogdoafonseca.blogspot.com/

domingo, 23 de agosto de 2009

Doutora em psicologia fala sobre a Gestalt-terapia

Alexandra Tsallis, doutora em psicologia pela UERJ, fala sobre a Gestalt no Brasil, em entrevista no site do CRP-RJ e que merece registro aqui:
Diagnóstico: "Se tivermos que pensar em cura, pensamos em aumentar o leque de possibilidades que uma pessoa tem na vida. Arnold Beisser afirma, num texto chamado 'A teoria paradoxal da mudança', que o processo psicoterápico é talvez o processo pra que a pessoa possa ser aquilo que ela já é. Ele chama isso de teoria paradoxal da mudança porque, afinal de contas, é estranho perguntar como você pode vir a ser aquilo que você já é, mas a idéia também é uma idéia que passa pela aceitação, pela possibilidade que uma pessoa tem de se ver mais plena, mais íntegra."
Métodos de intervenção: "A idéia da Gestalt é que você possa experimentar, ou seja, vivenciar as coisas. Não é alguma coisa que passa apenas por um entendimento racional, mas por um entendimento integral, holístico — que é você poder entender as coisas rapidamente, mas você poder sentir, você poder se expressar."
Comportamento ético: "Agir eticamente na psicoterapia significa que você possa acompanhar uma pessoa naquilo que ela precisa, mas que você também saiba identificar qual é o limite nesse acompanhamento, que você saiba até onde você pode ir. Pra mim, a clareza ética é aquilo que eu possa fazer, mas o que eu saiba diferenciar daquilo que eu não posso fazer, aquilo que eu não tenha capacidade. Não acredito que existam psicoterapeutas que possam atender a tudo e qualquer pessoa. Eu acho que é preciso saber aquilo que eu não tenho condição de atender, seja porque eu não tenha o conhecimento técnico, seja porque eu não tenha o instrumental pessoal. O instrumento do psicoterapeuta é ele próprio, ele é um ser humano, então se o psicoterapeuta não puder ficar de posse da sua humanidade, ele não vai se dar conta dos seus limites. Alan Badiou diz que ser ético é ser fiel a si próprio, aos seus princípios. Aliás, acompanhar é uma palavra que tem uma etimologia bonita, porque significa “compartilhar o pão.”
Atuação gestáltica em relação às outras abordagens: "Acho que a Gestalt-terapia está voltada para o aqui e o agora, entendendo que o “aqui-agora” não é sinônimo do presente, mas é sinônimo daquilo que está presente no momento. Nesse sentido ela trabalha com o fenômeno e ela trabalha enfatizando a dimensão vivencial. A dimensão vivencial sendo aquilo que é uma mistura de pensar, agir e sentir, aquilo que pode ser sintetizado, didaticamente, em pensar, agir e sentir. É porque uma vivência é sempre mais, não é? A gente separa didaticamente, mas é mais do que isso."

Gestalt e psicanálise: discordâncias diametrais

Curiosas são as divergências da Gestalt-terapia com a psicanálise. Vejamos algumas delas e que satisfazem a prática psicológica sob vários prismas de atuação:
O PASSADO >
:::: A psicanálise dá uma grande importância ao passado, como constituinte da personalidade do invidíduo. Os traumas do passado são as "raízes" dos problemas, sendo o responsável pelas doenças psíquicas.
:::: Na Gestalt o passado é assimilado apenas como parte de nós, trazido como situações inacabadas, a chamada "gestalt incompleta". O passado não é mudado, portanto a Gestalt privilegia o aqui, agora.
AS COISAS >
:::: A psicanálise estuda e evidencia o "porquê" das coisas, obtendo explicações.
:::: Na Gestalt-terapia os porquês são palavrões e não conseguem levar o terapeuta a uma compreensão do problema. Esta usa o "como" e assim se consegue orientar e dar perspectiva. Para a Gestalt, o uso dos porquês favorece somente os inquéritos. O como engloba o que é estrutura, comportamento.
ANSIEDADE >
:::: A psicanálise vê como um assunto complexo.
:::: A Gestalt, como uma tensão entre o agora e o depois, em razão das inseguranças futuras.
A CULPA >
:::: A Gestalt concorda que a culpa é um "ressentimento projetado", na tomada de consciência de si mesmo, do mundo e do que está na zona intermediária da fantasia.
:::: Freud diz que existe algo entre você e o mundo, e analisou apenas esta zona intermediária, desconsiderando a auto consciência e/ou a consciência do mundo. Sendo assim, para a Gestalt ele deixa de considerar o que podemos fazer para estarmos em contato com o nosso self e com o mundo.
SITUAÇÕES >
:::: Freud dá maior importância às resistências.
:::: A Gestalt enfatiza as fobias, evitações e fugas. Enfrenta-se o que é evitado pelo cliente.
SUPERFÍCIE E PROFUNDIDADE >
:::: A psicanálise traz do estudo do inconsciente as profundezas recalcadas do indivíduo.
:::: A Gestalt vai prestar atenção no óbvio, no que está contido na superfície, no mostrado.

O passado retido e o futuro almejado

Fritz e Laura Perls ressaltaram a importância da afetividade associada à motricidade, além da verbalização, para a constituição de um fenômeno psíquico. Assim como Kurt Goldstein também postulava, os “sintomas” são índices da “forma” (Gestalt), como cada organismo se ajusta em um determinado meio sócio-ambiental.
Atentaram como os pacientes (mais tarde clientes) buscavam integrar ou procuravam evitar as múltiplas partes envolvidas em suas experiências cotidianas, especialmente aquelas partes que se repetiam na relação concreta com os clínicos por ocasião das sessões (no aqui-agora das sessões).
Tais “formas”, segundo o casal Perls, não são juízos conscientes ou conteúdos inconscientes, mas “hábitos” espontâneos de integração e alienação de partes, as quais incluem não apenas a materialidade física do momento, mas, também, os traços daquilo que se reteve do passado e do que se almeja como futuro. De onde se segue o entendimento de que: as “formas”, elas mesmas, não são qualidades pessoais. Elas são ocorrências de campo, compartilhadas por aqueles que participam deste campo e por cujo meio se constitui um “modo” peculiar de “contato” entre o passado e o futuro das atualidades físicas envolvidas.

Kierkegaard e a ironia como revitalizadora da essência humana

Kierkegaard prenunciava, em meados do século 19, sobre os rumos do pensamento moderno. Para ele, o homem estava "perdendo sua referência singular", deixando-se levar pelas seduções do mundo, principalmente pela publicidade. O curioso disso é que, dois séculos depois, e o indivíduo continua mais do que nunca delineado pelas aspirações sedutoras do sistema, em detrimento de sua espontaneidade e caráter puro, fiel à sua natureza.
Vivemos sob a ótica/estética do prazer plausível. Sofrer está na outra ponta e surge como referência contrária aos anseios vivenciais. Kierkegaard empreendeu, em sua filosofia, uma espécie de papel auxiliador deste homem com referência desencontrada, a quem desempenharia as funções de facilitar o caminho, o processo de volta ao natural, no impessoal e plástico, na superficialidade e ações manipuladas. A compreensão conjunta das ilusões a que cerca-se este indivíduo alcançaria a palmatória do próprio facilitador.
O filósofo desenvolveu esta técnica através da "ironia", que consistia em um método de comunicação indireta, utilizado por ele para que naquele que predomina o modo estético de escolher surja primeiramente a inquietação, o impacto, de forma a que este homem, pelo menos, possa reconhecer-se no lugar em que se encontra. E assim abrir a possibilidade de se instaurar o conflito, a indecisão.
É como se um ator vivesse um personagem de si mesmo mais acentuadamente do que a si mesmo, em essência. É viver o "lado B" antes do "lado A". Disse-lhe: (...) quando a interioridade caminha em direção a si mesma, é revelada com intensidade na metamorfose: então a opinião da massa perde o interesse (Kierkegaard, 2007, p.6).

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Ampliando o campo das relações percebidas

"(...) homens integrados são aqueles cujo pensar, sentir e agir refletem uma unidade quando na relação, adesão e construção da realidade. Por outro lado, são também aqueles que, quando frente ao processo mutável do meio, sabem reorganizar-se e adaptar-se com equilíbrio e coerência. Este processo, quando não espontâneo, é facilitado pela capacidade reflexiva, consciente. Trata-se da possibilidade humana de perceber sobre suas percepções; ampliando o campo das relações percebidas, encontrando uma nova configuração e significação.
Sabemos que foi através dos estudiosos chamados gestaltistas que a percepção humana foi estudada. Sabemos também que gestalt foi o termo encontrado para traduzir o movimento (princípio) perceptivo que, como a própria palavra denota, tende a captar estruturas estáveis, harmoniosas, organizadas e significativas, ainda que feita em partes ou em subtodos. O seu caráter estrutural é tal, que qualquer elemento novo que se introduz, nos leva à percepção de uma nova estrutura. A experiência só chega até nós de modo completo, quando ela é experimentada como um todo, ainda que este todo seja apenas um esboço da realidade do ser como tal.
Quando estas percepções gestálticas não se desenvolvem, o homem se experimenta desligado de suas próprias experiências de vida, seja elas quais forem. Sente-se, então, incômodo, confuso, dividido, sem sentido. Desta situação fragmentada buscamos hoje, especialmente em ambientes de trabalho, nos recuperar. Trata-se do mesmo pedido, de uma mesma tradução: homens precisando e desejando ser ao máximo aquilo que as possibilidades de sua natureza lhe permitem, lhe reclamam, lhe chamam a ser.
Como conciliar este percurso que recém iniciamos num sistema ainda burocrático, especializado? Como facilitar o processo de integração do homem no que diz respeito à sua natureza, personalidade e, inclusive, enquanto ser social, comunitário? Como contribuir para que ele possa aprender a perceber e lidar com a realidade de forma sistêmica, total e co-responsável? São as perguntas e impulsos deste trabalho que aqui se esboça."

Extraído do capítulo 1 de "Qualidade de Vida e das Relações de Trabalho" (1999), trabalho de Yamile Adriana Nunes, mestre em Engenharia de Produção (Santa Catarina).

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A queixa, diante da totalidade e integração

"Aos escutarmos a queixa do cliente, ou 'a ferida', a totalidade vai-se revelando, o sentido da queixa vem à tona, e podemos ver como a queixa foi a denúncia mais adequada possível, às vezes dramática, do risco de desintegração da unidade. E que é, ao mesmo tempo, a tentativa desesperada de integração (de formação), em condições caóticas, do campo. Na Gestalt-terapia a intenção é que a pessoa descubra formas mais eficazes (o mesmo que mais autênticas) de integração. Que ouse arriscar, experimentar novo comportamento integrador, antes de abandonar o velho modo, que falindo, levou-a à terapia".
Marisete Malaguth Mendonça na revista do VII Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica: Maio de 2001.

Perceber o todo, perceber as partes

A percepção é o ponto de partida e um dos temas centrais do gestaltismo. Os experimentos com a percepção levaram os gestaltistas ao questionamento da psicologia associacionista. O behaviorismo, dentro de sua preocupação com a objetividade, estuda o comportamento através da relação estímulo-resposta, procurando isolar um estímulo unitário que corresponderia a uma dada resposta e desprezando os conteúdos da consciência, pela impossibilidade de controlar cientificamente essas variáveis.
A Gestalt entende que é de suma importância a disposição em que são apresentados à percepção os elementos unitários que compõem o todo. Uma de suas formulações bastante conhecidas é a de que "o todo é diferente da soma das partes". Ou seja, a percepção que temos de um todo não é o resultado de um processo de simples adição das partes que o compõem.
A indissociabilidade da parte em relação ao todo permite que quando vemos o fragmento de um objeto ocorra uma tendência à restauração do equilíbrio da forma, proporcionando assim o entendimento do que foi percebido.
Rudolf Arnheim* dá um bom exemplo da tendência à restauração do equilíbrio na relação parte-todo: "De que modo o sentido da visão se apodera da forma? Nenhuma pessoa dotada de um sistema nervoso normal apreende a forma alinhavando os retalhos da cópia de suas partes (...) o sentido normal da visão apreende sempre um padrão global".
Texto adaptado de Ana Maria Bock, "Psicologias" (Saraiva, 2004)
* "Arte e Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora" (Edusp, 1980)

Sob a leitura de Sêneca e a brevidade da vida

A filosofia reina sob a conjuntura existencial. A Gestalt cerca-se deste rebanho filosófico, o que não é novidade para ninguém. Esta "compreensão de mundo" proposta pela psicoterapia traz do pensamento de Lucio Anneo Sêneca (4 a.C - 65 d.C) a percepção dissecada sobre a brevidade da vida:
"A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida. Este é o único motivo pelo qual não nos podemos queixar da vida: ela não segura ninguém. Na vida pública, ninguém olha para os que estão pior, mas apenas para os que estão melhor. A vida, sem uma meta, é completamente vazia. Não te interesses sobre a quantidade, mas sim sobre a qualidade dos vossos amigos. Trabalha como se vivesses para sempre. Ama como se fosses morrer hoje. É parte da cura o desejo de ser curado."
E, complementando, “...a vida pode até ser breve, mas o que a prolonga é a arte do seu uso”.

sábado, 8 de agosto de 2009

O psicodiagnóstico gestáltico

"...o diagnóstico na Gestalt-terapia deve ser feito com reconhecimento completo da estrutura do todo. Quando se está lidando com pessoas, significa levar em conta a imagem que elas têm de si mesmas e de sua identidade no tempo, o contexto do significado de sua interação atual, a história de tais interações em vários contextos que formam o pano de fundo no momento atual e semelhantes." (Yontef, 1998, p.289)

Perfis que formatam novas visões



Exemplificação da percepção gestáltica, em duas figuras-padrão. A duplificação de meu rosto, justaposto, acaba por proporcionar uma visão interessante. Os perfis formatam novas visões (como no exemplo da figura, que nos dá a ideia de um vaso ou de dois rostos, dependendo do campo visual). Ao meio um possível "vestido verde" em um corpo feminino.

O subliminar bebê diante dos olhos nus

A natureza deixa implícita sua revelação. Aos olhos nus e desprovidos de percepção apurada, torna-se óbvia e previsível, algo que não é e nunca foi. Somos, portanto, aquilo que enxergamos. Mas muito mais além do que vimos. A pergunta gestáltica é: você enxerga o bebê?