domingo, 27 de junho de 2010

Algumas considerações a respeito do canibalismo


Renée Hartevelt e seu cadáver esquartejado por Sagawa

O mundo canibal sempre oscilou entre o lado cultural antropofágico e o lado patológico. Mas nas sociedades civilizadas é considerado uma aberração, um traço de psicopatia. Em alguns países é considerado crime hediondo. Em outros, não. No entanto, o ato de "devorar" ou "ser devorado" é amplo e merece alguns parênteses.
Nahlah Saimeh, médica especialista em medicina legal e diretora do Centro de Psiquiatria Forense da Vestfália, Alemanha, diz que a antropofagia é um componente habitual das relações afetivas e sexuais. Os atos de beijar, morder e chupar fazem parte do repertório das carícias trocadas entre pais e filhos e entre casais; expressam proximidade emocional e desejo de ter o outro, simbolicamente, “dentro de si”. Esse desejo erótico de incorporar a pessoa amada transparece quando se diz que alguém é “gostoso” ou quer “comer” o outro. A fantasia de devorar ou ser devorado também está presente em diversas fábulas e brincadeiras de crianças e adultos.
O psiquiatra e psicanalista Robert J. Stoller (1924-1991), da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Los Angeles, reconheceu na modalidade de canibalismo sádico uma forma de ódio erótico cujas raízes estão no desenvolvimento, na infância, da identidade masculina: o bebê se sente fundido à mãe, seu corpo e seu psiquismo não existem separados da pessoa que lhe serve de referência no mundo. Com base na teoria da psicanalista Melanie Klein é possível pensar que, no decorrer do processo de individuação, o garoto se reconhece como possuidor de um corpo próprio, de homem, não de mulher. Então lutará constantemente contra uma nova fusão com a mãe que, no desenvolvimento de sua identidade masculina, pode se converter temporariamente em uma “mãe má”.
O psiquiatra e psicanalista alemão Eberhard Schorsch (1935-1991) analisou outros aspectos da perversão sexual. Segundo ele, as fases da perversão se dividem em quatro. Na primeira, fantasias sexuais desviantes já se mostram intensas, mas só emergem esporadicamente. Na segunda, aparecem com regularidade, como penosos conflitos. Na terceira etapa a sexualidade quase não pode ser vivenciada sem essas fantasias e os desencadeadores da crise não são mais debelados. Neste ponto, o processo se torna irreversível. Finalmente, na última fase, as fantasias sexuais desviantes transformam-se em novos rituais e passam a ocupar espaço cada vez maior.
Um dos canibais mais famosos da história, o japonês Issei Sagawa, comeu sua professora de alemão em 1981 (foto acima de seu cadáver e necrópsia), deixou um registro escrito da cena: “Corto seu corpo e levo a carne à boca inúmeras vezes. Então fotografo seu cadáver branco com ferimentos profundos. Faço sexo com seu corpo. Quando a abraço, ela emite um sopro, me assusto, ela parece viva. Eu a beijo e digo que a amo. Então, arrasto seu corpo para o banheiro. A essa altura estou exausto, mas corto sua anca e coloco a carne em uma assadeira. Depois de cozida, sento-me à mesa usando suas roupas de baixo como guardanapo. Elas ainda têm o cheiro de seu corpo”. O crime foi cometido na França. Sagawa, um estudante de literatura de 33 anos, matou a tiros a holandesa Renée Hartevelt (foto acima), de 25 anos. Pedaços dela, cuidadosamente embrulhados, foram encontrados na geladeira dele. Ele não resistiu à prisão e confessou o crime. Foi levado para uma clínica psiquiátrica francesa, onde foi classificado como “psicótico intratável”. Depois de repatriado ao Japão, deixou o hospital em 1985, graças à pressão do pai, um rico empresário, e hoje é uma espécie de ídolo pop bizarro.
Em geral, as pessoas com sintomas perversos não chegam a ter uma sexualidade saudável, já que toda sua intimidade está impregnada pelo medo.

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